Pais
da Igreja X Calvinismo
Os 400 primeiros anos da História da Igreja o conceito
filosófico determinista que foi denominado de “Calvinismo” não existia, pois
ele só veio posteriormente com Agostinho de Hipona e ganhou mais notoriedade
com João Calvino.
Texto Extraído do Livro:
Silas Daniel - Arminianismo: A Mecânica da Salvação; Uma
Exposição Histórica, Doutrinária e Exegética sobre a Graça de Deus e a
Responsabilidade Humana – CPAD; 2017
Declarações dos Pais
pré-Agostinho ou coevos dele sobre livre-arbítrio, expiação, graça resistível e
eleição.
Vejamos a seguir, só a título de amostra, algumas
declarações dos Pais da Igreja pré-Agostinho sobre a realidade do
livre-arbítrio, da expiação ilimitada, da resistibilidade da graça e da eleição
condicional. Os trechos selecionados aqui não seguem uma ordem por assunto, mas
apenas uma ordem cronológica. Ei-los:
“Agora, pois, como seja certo que tudo é por Ele visto e
ouvido, temamos e abandonemos os execráveis desejos de más obras, a fim de
sermos protegidos por sua misericórdia nos juízos vindouros. Porque ‘para onde
algum de nós poderá fugir de sua poderosa mão?’ Que mundo acolherá os que
deserdam de Deus?” (Clemente de Roma [35-97], 1 Coríntios, XXVIII, 1 e 2).
“Olhemos fielmente para o sangue de Cristo e vejamos quão
precioso esse sangue é para Deus, que, tendo sido derramado por nossa salvação,
conquistou para todo o mundo a graça do arrependimento” (Clemente de Roma, 1
Coríntios, VII).
“Vigiai sobre a vossa vida; não deixai que vossas lâmpadas
se apaguem, nem afrouxai vossos cintos. Ao contrário, estai preparados porque
não sabeis a hora em que virá o Senhor. Reuni-vos frequentemente, procurando o
que convém a vossas almas; porque de nada vos servirá todo o tempo a vossa fé
se não fordes perfeitos no último momento” (Didaquê [primeiro século], XVI, 1 e
2).
“Portanto, eis que temos sido remodelados, como novamente
Ele diz em outro profeta: ‘Eis, diz o Senhor, que vou tirar destes’, isto é,
daqueles a quem o Espírito do Senhor previu, ‘os seus corações de pedra, e eu
vou colocar corações de carne dentro deles’, porque Ele era para ser
manifestado em carne, e para peregrinar entre nós. Pois, meus irmãos, a morada
do nosso coração é um templo consagrado ao Senhor” (Epístola de Barnabé
[segundo século], VI).
“‘Que você possa contemplar’, acrescentou, ‘a grande
misericórdia do Senhor, que é grande e glorioso, e deu Seu Espírito para
aqueles que são dignos de arrependimento’. Disse eu: ‘Por que, então, senhor,
não fez Ele com que todos se arrependessem?’. Ele respondeu: ‘Para aqueles
cujos corações Ele viu que se tornariam puros e obedientes a Ele, deu o poder
de se arrependerem de todo o coração. Mas para aqueles cujo engano e maldade
Ele percebeu, e viu que tinham a intenção de arrepender-se hipocritamente, ele
não concedeu o arrependimento, para que não profanassem novamente o seu nome’”
(O Pastor de Hermas [segundo século], Livro III, 8, VI).
“Como Salvador O enviou, e com vocação para persuadir, não
para compelir-nos; porque violência não tem lugar no caráter de Deus” (Epístola
a Diogneto [120 d.C.], Exórdio, VII).
“Mas Aquele que ressuscitou dentre os mortos nos
ressuscitará também, se fizermos a Sua vontade, e caminharmos em Seus
mandamentos e amarmos o que Ele amou, mantendo-nos afastados de toda injustiça”
(Policarpo [100- 150], Filipenses, II).
“Deus, no desejo de que homens e anjos seguissem sua
vontade, resolveu criá-los livres para praticar a retidão. Se a Palavra de Deus
prediz que alguns anjos e homens certamente serão punidos, isso é porque ela
sabia de antemão que eles seriam imutavelmente ímpios, mas não porque Deus os
criou assim. De forma que quem quiser, arrependendo-se, pode obter
misericórdia” (Justino Mártir [100-165], Diálogos, CXLI).
“Mas agora Ele nos persuade e nos conduz à fé para que sigamos
o que lhe é grato por livre escolha, através das potências racionais com as
quais Ele mesmo nos presenteou” (Justino Mártir, Apologia Primeira, XI, 4).
“Do que dissemos anteriormente, ninguém deve tirar a
conclusão de que afirmamos que tudo o que acontece, acontece por necessidade do
destino, pelo fato de que afirmamos que os acontecimentos foram conhecidos de
antemão. Por isso, resolveremos também essa dificuldade. Nós aprendemos dos
profetas e afirmamos que esta é a verdade: os castigos e tormentos, assim como
as boas recompensas, são dadas a cada um conforme as suas obras. Se não fosse
assim, se tudo acontecesse por destino, não haveria absolutamente
livre-arbítrio. Com efeito, se já está determinado que um seja bom e o outro
mau, nem aquele merece elogio, nem este vitupério. Se o gênero humano não tem
poder de fugir, por livre determinação, do que é vergonhoso e escolher o belo,
ele não é responsável por nenhuma ação que faça. Mas que o homem é virtuoso e
peca por livre escolha, podemos demonstrar pelo seguinte argumento: vemos que o
mesmo sujeito passa de um contrário a outro. Ora, se estivesse determinado ser
mau ou bom, não seria capaz de coisas contrárias, nem mudaria com tanta
frequência. Na realidade, nem se poderia dizer que uns são bons e outros maus,
desde o momento que afirmamos que o destino é a causa de bons e maus, e que
realiza coisas contrárias a si mesmo, ou que se deveria tomar como verdade o
que já anteriormente insinuamos, isto é, que a virtude e maldade são puras
palavras, e que só por opinião se tem algo como bom ou mau. Isso, como
demonstra a verdadeira razão, é o cúmulo da impiedade e da iniquidade.
Afirmamos ser destino ineludível que aqueles que escolheram o bem terão digna
recompensa e os que escolheram o contrário, terão igualmente digno castigo. Com
efeito, Deus não fez o homem como as outras criaturas. Por exemplo: árvores ou
quadrúpedes, que nada podem fazer por livre determinação. Nesse caso, não seria
digno de recompensa e elogio, pois não teria escolhido o bem por si mesmo, mas
nascido já bom; nem, por ter sido mau, seria castigado justamente, pois não o
seria livremente, mas por não ter podido ser algo diferente do que foi”
(Justino Mártir, Apologia Primeira, XLIII).
“Aqueles que foram conhecidos de antemão [por Deus] que
seriam injustos, sejam homens ou anjos, não são feitos maus por culpa de Deus,
mas cada um por sua própria culpa” (Justino Mártir, Diálogo com Trifão, CXL).
“Viva para Deus e, apreendendo-o, coloque de lado sua velha
natureza. Não fomos criados para morrer, mas morremos por nossa própria falha.
Nosso livre-arbítrio nos destruiu, nós que fomos livres nos tornamos escravos;
fomos vendidos pelo pecado. Nada de mal foi criado por Deus; nós próprios
manifestamos impiedade; mas nós, que a temos manifestado, somos capazes de
rejeitá-la novamente” (Taciano, o Sírio [120-180], Cartas, XI).
“Deus fez o homem livre, e esse poder sobre si mesmo [...]
Deus lhe concede como um dom por filantropia e compaixão, quando o homem lhe
obedece. Pois como o homem, desobedecendo, atraiu morte sobre si mesmo, assim,
obedecendo à vontade de Deus, aquele que deseja é capaz de obter para si mesmo
a vida eterna” (Teófilo de Antioquia [120?-186], Livro a Autólico, I, 27).
“A expressão: ‘Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos
[...] mas vocês não quiseram’ ilustra bem a antiga lei da liberdade do homem,
porque Deus o fez livre desde o início, com vontade e alma para consentir nos
desejos de Deus sem ser coagido por Ele. Deus não faz violência, e o bom
conselho o assiste sempre, por isso dá o bom conselho a todos, mas também dá ao
homem o poder de escolha, como o tinha dado aos anjos, que são seres racionais,
para que os que obedecem recebam justamente o bem, dado por Deus e guardado
para eles. [...] Se não dependesse de nós o fazer e o não fazer, por qual
motivo o apóstolo, e bem antes dele o Senhor, nos aconselhariam a fazer coisas
e a nos abster de outras? Sendo, porém, o homem livre na sua vontade, desde o
princípio, e livre é Deus, à semelhança do qual foi feito, foi-lhe dado, desde
sempre, o conselho de se ater ao bem, o que se realiza pela obediência a Deus”
(Ireneu de Lião [130-202], Contra as Heresias, IV, 37, 1 e 4).
“Por isso, dizia aquele presbítero: não devemos nos sentir
orgulhosos nem reprovar os antigos; ao contrário, devemos temer; não ocorra
que, depois de conhecermos a Cristo, façamos aquilo que não agrada a Deus e,
consequentemente, já não nos sejam perdoados os nossos pecados, nos excluindo
de seu Reino. Paulo disse a este propósito: ‘Se não perdoou os ramos naturais,
tampouco te perdoará, pois sois oliveira silvestre enxertada nos ramos da
oliveira e recebes da sua seiva’” (Ireneu de Lião, Contra as Heresias, IV, 27,
2).
“O Senhor, pois, nos remiu através de seu sangue, dando sua
vida em favor da nossa vida, sua carne por nossa carne. Derramou o Espírito do
Pai para que fosse possível a comunhão de Deus e do homem. Trouxe Deus aos
homens mediante o Espírito, e levou os homens a Deus mediante sua encarnação”
(Ireneu de Lião, Contra as Heresias, V, 1, 2).
“Justamente como homens que possuem liberdade de escolha
assim como virtude e defeito (porque você não honraria tanto o bom quanto
puniria o mau, a menos que o defeito e a virtude estivessem em seu próprio
poder, e alguns são diligentes nos assuntos confiados a eles, e outros são
infiéis), assim são os anjos” (Atenágoras de Atenas [133-190], Apelo em Favor
dos Cristãos, XXIV).
“Mas nós, que temos ouvido pelas Escrituras que a escolha
autodeterminadora e a recusa foram dadas pelo Senhor ao ser humano, descansamos
no critério infalível da fé, manifestando um espírito desejoso, visto que
escolhemos a vida e cremos em Deus através de sua voz” (Clemente de Alexandria
[150-215], Stromata, II, 4).
“Cristo livremente traz [...] Salvação a toda a raça humana”
(Clemente de Alexandria, Pedagogo, XI).
“Como é que Deus não nos fez de modo que não pecássemos e
não incorrêssemos na condenação? Se o ser humano fosse feito assim, não teria
pertencido a si mesmo, mas seria instrumento daquele que o moveu. [...] E como,
nesse caso, diferiria de uma harpa, sobre a qual outro toca; ou de um navio,
que outra pessoa dirige, onde o louvor e a culpa residem na mão do músico ou do
piloto, [...] eles sendo somente instrumentos feitos para uso daquele em quem
está a habilidade? Mas Deus, em sua benignidade, escolheu fazer assim o ser
humano; pela liberdade ele o exaltou acima de muitas de suas criaturas”
(Bardesano, o Sírio [154-222], encontrado em fragmentos).
“Acho, então, que o ser humano foi feito livre por Deus,
senhor de sua própria vontade e poder, indicando a presença da imagem de Deus e
a semelhança com Ele [...] Você verá que, quando Ele coloca diante do ser
humano o bem e o mal, a vida e a morte, o curso total da disciplina está
disposto em preceitos pelos quais Deus chama o ser humano do pecado, ameaça e
exorta-o; e isso em nenhuma outra base, senão pela fato de o ser humano ser
livre, com vontade ou para a obediência ou para a resistência [...] Portanto,
tanto a bondade quanto o propósito de Deus são revelados no dom da liberdade dado
ao ser humano por Sua vontade” (Tertuliano [160-220], Contra Marcião, II, 5).
“Ora, deve ser conhecido que os santos apóstolos, na
pregação da fé de Cristo, pronunciaram-se com a maior clareza sobre certos
pontos que eles criam ser necessários para todo mundo. [...] Isso também é
claramente definido no ensino da Igreja de que cada alma racional é dotada de
livre arbítrio e volição” (Orígenes de Alexandria [185-253], Sobre os
Princípios, Prefácio).
“Quando Deus se comprometeu no início a criar o mundo, como
nada que vem a ser o é sem uma causa, cada uma das coisas que haveriam de
existir foram apresentadas à Sua mente. Ele viu no que resultaria quando cada
uma dessas coisas fossem produzidas; e quando o resultado fosse completado, o
que mais iria acompanhar; e o que mais seria resultado dessas coisas quando
elas fossem acontecer; e assim por diante até a conclusão da sequência de
eventos, Ele sabia o que seria, sem ser totalmente a causa do que vem a ser de
cada uma das coisas que Ele sabia que aconteceriam” (Orígenes de Alexandria,
Comentários sobre Gênesis, Livro III, 6).
“Há, de fato, inúmeras passagens nas Escrituras que
estabelecem com extrema clareza a existência da liberdade da vontade” (Orígenes
de Alexandria, Sobre os Princípios, III, 1).
“O homem possui a capacidade de autodeterminação, na medida
em que ele é capaz de querer e não querer, e é dotado com o poder de fazer as
duas coisas” (Hipólito de Portus [terceiro século], Refutação de Todas as
Heresias, X, 29).
“Ora, aqueles que decidem que o ser humano não possui
livre-arbítrio e afirmam que ele é governado pelas necessidades inevitáveis do
destino [...] são culpados de impiedade para com o próprio Deus, fazendo-O ser
a causa e o autor dos males humanos” (Metódio de Olimpos [250-311], O Banquete
das Dez Virgens, XVI. Lembrando que Metódio escreveu ainda uma obra inteira em
defesa do livre-arbítrio do homem, intitulada Concernente ao Livre-Arbítrio).
“Mais ainda, meu oponente diz que, se Deus é poderoso,
misericordioso, desejando salvar-nos, que mude as nossas disposições e nos
force a confiar em suas promessas. Isso, então, é violência, não é amabilidade
nem generosidade do Deus supremo, mas uma luta vã e pueril na busca da obtenção
do domínio. Pois o que seria tão injusto como forçar homens que são relutantes
e indignos, reverter suas inclinações; imprimir forçadamente em suas mentes o
que eles não estão desejando receber, e têm horror de receber?” (Arnóbio de
Sica [250?-330], Contra os Pagãos, Livro II, 65).
“O conhecimento prévio dos eventos não é a causa de que
tenham ocorrido. As coisas não ocorrem porque Deus sabe. Quando as coisas estão
para ocorrer, Deus o sabe” (Eusébio de Cesaréia [265-339], Preparação para o
Evangelho, VI, 11).
“Era necessário que o Cordeiro de Deus fosse oferecido pelos
outros cordeiros cuja natureza Ele assumiu e por toda raça humana” (Eusébio de
Cesareia, Demonstração do Evangelho, Prefácio, X).
“Todos os homens estavam sujeitos à corrupção da morte.
Substituindo a todos nós, o Verbo tomou um corpo semelhante ao nosso,
entregando a si mesmo à morte por nós todos como um sacrifício a Seu Pai. (...)
Dessa maneira, morrendo todos nEle, pode ser abolida a lei universal da
mortalidade humana. A exigência da morte foi satisfeita no corpo do Senhor e,
doravante, deixa de atingir os homens feitos semelhantes a Cristo. Aos homens
que se haviam entregue à corrupção foi restituída a incorrupção e, mediante a
apropriação do corpo de Cristo e de Sua ressurreição, os homens são redivivos
da morte” (Atanásio de Alexandria [296-373], Da encarnação, VIII).
“O Filho de Deus veio ao mundo [...] remir todos os homens
[...] sofrendo em seu corpo em favor de todos os homens” (Atanásio de
Alexandria, Sermão contra os Arianos).
“Portanto, desejando ajudar os homens, Ele, o Verbo, habitou
com os homens tomando forma de homem, tomando para si mesmo um corpo semelhante
ao dos outros homens. Através das coisas sensoriais, isto é, mediante as ações
de seu corpo, Ele os ensinou que os que estavam privados de reconhecê-lo,
mediante sua orientação e providência universais, podem por meio das ações de
seu corpo reconhecer a Palavra de Deus encarnada e através dEle vir ao
conhecimento do Pai” (Atanásio de Alexandria, Da encarnação, XIV).
“Porque, conforme o Evangelho, muitos são os chamados e
poucos os escolhidos [...] A eleição, portanto, não é questão de juízo
acidental. É uma distinção feita por intermédio de uma seleção baseada no
mérito. Feliz, então, aquele a quem Deus elege: bendito em razão de ele ser
digno da eleição” (Hilário de Poitiers [300-368], Tratado Sobre os Salmos, 64,
V).
“Não há um tipo de alma pecando por natureza e outro
praticando justiça por natureza; ambas agem por escolha, a substância da alma
sendo de uma espécie somente e igualmente em tudo” (Cirilo de Jerusalém
[313-386], Leituras, IV).
“A alma é autogovernada: e embora o Demônio possa sugerir,
ele não tem o poder de obrigar a vontade. Ele lhe pinta o pensamento da
fornicação, mas você pode rejeitá-lo, se quiser. Pois se você fosse fornicador
por necessidade, por que razão Deus preparou o inferno? Se você fosse
praticante da justiça por natureza, e não pela vontade, por que preparou Deus
coroas de glória inefável? A ovelha é afável, mas ela nunca foi coroada por sua
afabilidade; visto que sua qualidade de ser afável lhe pertence por natureza,
não por escolha” (Cirilo de Jerusalém, Leituras, IV).
“Sois feitos partícipes de uma videira santa: se permaneces
na videira, crescerás como um cacho frutífero; porém, se não permaneces, serás
consumido pelo fogo. Assim, pois, produzamos fruto dignamente. Que não nos
suceda o mesmo que aquela videira infrutífera; não ocorra que, ao vir Jesus, a
maldiga por sua esterilidade. Que todos possam, ao contrário, pronunciar estas
palavras: ‘Eu, porém, como oliveira verde na casa de Deus, confio no amor de
Deus para todo o sempre’. Não se trata de uma oliveira sensível, mas
inteligível, portadora da luz. O que é próprio dEle é plantar e regar; a ti,
porém, cabe frutificar. Por isso, não desprezes a graça de Deus: guardai-a
piedosamente quando a receberdes” (Cirilo de Jerusalém, Catequese, I, 4).
“Não maravilha que o mundo todo foi resgatado, porque Ele
não foi apenas um homem, mas o Unigênito Filho de Deus” (Cirilo de Jerusalém,
Catequese, XIII, 2).
“Eles, então, que foram selados pelo Espírito até o dia da
redenção e preservaram puros e intactos os primeiros frutos que receberam do
Espírito, ouvirão as palavras: ‘Muito bem, servos bons! Como fostes fiéis no
mínimo, tomai o governo de muitas coisas’. Da mesma forma, os que ofenderam o
Espírito Santo pela maldade de seus caminhos, ou não forjaram para si o que Ele
lhes deu, serão privados do que receberam e sua graça será dada a outros; ou,
conforme um dos evangelistas, serão totalmente cortados em pedaços, cujo
significado é ser separado do Espírito” (Basílio Magno [329-379], Sobre o
Espírito Santo, XVI, 40).
“Mas uma coisa foi encontrada que era equivalente a todos os
homens, [...] o santo e precioso sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, o qual
foi derramado por nós todos” (Basílio Magno, Sobre Salmos 49,VII, 8, seção 4).
“...os detratores de tudo o que é louvável, entenebrecedores
da luz, inculturados em relação à sabedoria, por quem Cristo morreu em vão”
(Gregório de Nazianzo [329-389], Sermão 45, Segundo Sermão da Páscoa, XXVI).
“O sacrifício de Cristo é uma expiação imperecível pelo
mundo inteiro” (Gregório de Nazianzo, Sermão 2 para Páscoa).
“Sendo à imagem e semelhança […] do Poder que governa todas
as coisas, o ser humano manteve também na questão do livre-arbítrio esta
semelhança a ele cuja vontade domina tudo” (Gregório de Nissa [330-395], Sobre
a Virgindade, XII).
“Então, falando do Pai, Ele acrescentou ‘Para quem estiver
preparado’, para mostrar que o Pai também não está acostumado a dar atenção
apenas aos pedidos, mas aos méritos; pois Deus não faz acepção de pessoas (At
10.34). Por isso também o apóstolo diz: ‘Os que dantes conheceu, também os
predestinou’ (Rm 8.29). Ele não predestinou-os antes de os conhecer, mas Ele
predestinou à recompensa aqueles cujos méritos de antemão Ele conheceu”
(Ambrósio de Milão [337-397], Sobre a Fé, Livro V, 6, 82).
“Apesar de Cristo ter padecido por todos, Ele padeceu
especialmente por nós” (Ambrósio de Milão, Exposição do Evangelho de Lucas, VI,
7). “Este místico Sol da Justiça foi levantado por todos, veio para todos;
Cristo padeceu por todos e ressuscitou por todos. Mas se alguém não crê em
Cristo, está privando a si mesmo desse benefício universal, [...] o benefício
comum do perdão divino e da remissão dos pecados [o qual] não pertence [...]
aos anjos caídos. [...] Cristo veio para salvação de todos, Ele empreendeu a
redenção para todos, na medida em que Ele trouxe um remédio pelo qual todos
pudessem escapar, apesar de haver alguns [...] que não desejam ser curados”
(Ambrósio de Milão, Sobre Salmos 118, Sermão VIII).
“Esses que são chamados de acordo com a promessa são aqueles
que Deus sabia que seriam verdadeiros crentes no futuro, pois eles antes mesmo
de crerem já eram conhecidos [por Deus]. [...] Da mesma forma, [Deus] condenou
Faraó pelo Seu pré-conhecimento, pois sabia que este não se consertaria, e
escolheu o apóstolo Paulo quando ele ainda estava perseguindo a Igreja, pois
sabia que ele não deixaria de ser bom mais tarde” (Ambrosiaster [370 d.C.],
Comentário às Treze Epístolas de São Paulo, trechos em que comenta as passagens
de Romanos 8.28 e 9.14)
“Para respondermos a todos que insistem em perguntar ‘Como
podemos ser salvos sem contribuir com nada nessa salvação?’, Paulo nos mostra
que, de fato, temos uma grande dose de contribuição nela: entramos com a nossa
fé!” (João Crisóstomo [347-407], Homilia em Efésios).
“Porquanto Deus pôs em nosso poder o bem e o mal, deu-nos o
livre arbítrio da escolha, e quando não queremos não nos força; quando, porém,
queremos, nos abraça” (João Crisóstomo, Homilia sobre a Traição de Judas, I,
3).
“Disse alguém: ‘Então é suficiente crer no Filho para se
ganhar a vida eterna?’ De maneira nenhuma. Escuta esta declaração do próprio
Cristo, dizendo: ‘Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’ entrará no reino
dos céus’; e a blasfêmia contra o Espírito é suficiente para lançar um homem no
inferno” (João Crisóstomo, Homilia sobre o Evangelho de João, XXXI, 1).
“Isto é o que Marcião pergunta, e todo o grupo de hereges
que mutilam o Antigo Testamento, com a maior parte de seu argumento girando em
torno de algo como isto: ou Deus sabia que o homem, colocado no Paraíso,
transgrediria Sua ordem, ou Ele não sabia. Se Ele sabia, o homem não tem culpa,
pois não pôde evitar a presciência de Deus, pois Aquele que o criou o fez de
tal forma que ele não poderia escapar do conhecimento de Deus. E se Ele não
sabia, estará privando-o da Sua presciência, então também estará tirando Sua
divindade. Mediante essa mesma argumentação, Deus será merecedor de culpa por
escolher Saul, que se provaria um dos piores dos reis. E o Salvador deve ser
condenado seja por ignorância ou por injustiça, na medida em que Ele disse no
Evangelho: ‘Não vos escolhi a vós os doze, e um de vós é um diabo?’. Pergunte a
Ele por que escolheu Judas, um traidor? Por que Ele confiou a ele a bolsa,
quando Ele sabia que ele era um ladrão? Devo dizer-lhe a razão? Deus julga o
presente, não o futuro. Ele não faz uso de sua presciência para condenar um
homem que Ele sabe que vai mais à frente desagradá-lo; mas essa é a Sua bondade
e misericórdia indizível, que Ele escolhe um homem que, Ele sabe, vai,
entretanto, ser bom e, quem sabe, vai acabar mal, dando-lhe assim a
oportunidade de ser convertido e de se arrepender. Esse é o significado das
palavras do apóstolo, quando ele diz: ‘Tu não sabes que a bondade de Deus te
leva ao arrependimento? Mas, com a dureza e impenitência do teu coração,
acumulas ira para ti no dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus, que
retribuirá a cada um segundo as suas obras’. Adão não pecou porque Deus sabia
que ele faria assim, mas Deus, justamente pelo fato de ser Deus, sabia de
antemão o que Adão faria pela sua livre escolha” (Jerônimo [347-420] Contra os
Pelagianos, Livro III, 6).
“‘Talvez’, diz Ele, ‘eles podem ouvir e serem convertidos’
(Jr 26.3). A incerteza da palavra ‘talvez’ não pode pertencer à majestade do
Senhor, mas é falado por conta de nossa condição, para que o livre-arbítrio do
homem possa ser preservado, para que não suponham que, em vista de Sua
presciência, existe, por assim dizer, uma espécie de necessidade, quer de fazer
algo ou de não o fazer” (Jerônimo, Comentários sobre Jeremias, V, 35, 5).
“Tal qual uma pena utilizada para escrever ou uma flecha que
precisa de um agente que dela faça uso, também a graça de Deus tem a
necessidade de corações crentes” (Cirilo de Alexandria [375-444], Leituras
Catequéticas, I, 1).
“A morte de uma carne é suficiente para o resgate de toda a
raça humana, porque aquela pertenceu ao Logos, o Unigênito de Deus Pai” (Cirilo
de Alexandria, Sermão sobre a “Recta Fide”, II, 7).
“A parte de Deus é derramar graça, mas a vossa é aceitá-la e
guardá-la” (Cirilo de Alexandria, Leituras Catequéticas, I, 1). “Aqueles cuja
intenção Deus previu, Ele predestinou desde o princípio. Aqueles que
predestinou, Ele chamou e justificou pelo batismo. Os que foram justificados,
Ele glorificou, chamando-os filhos. (...) Que ninguém diga que a presciência de
Deus foi a causa unilateral dessas coisas. Não foi sua presciência que
justificou as pessoas, mas Deus sabia o que aconteceria, porque Ele é Deus”
(Teodoreto de Cirro [393-466], Interpretação de Romanos, trecho onde comenta
Romanos 8.30).
“Quando o cabeça da raça [Adão] foi condenado, toda a raça
foi condenada com ele; e então, quando o Salvador destruiu a maldição, a
natureza humana ganhou liberdade” (Teodoreto de Cirro, Diálogos, III).
São muitos os textos dos Pais da Igreja pré-Agostinho e
contemporâneos dele que poderiam ainda ser citados neste capítulo comprovando a
posição sinergista de todos eles nesse período, mas não me deterei aqui nessa tarefa,
pois já considero-a razoavelmente realizada aqui. Passarei agora, até porque
esta obra foca no arminianismo, a frisar alguns Pais da Igreja pré-Agostinho
que eram arminianos em seu entendimento da mecânica da Salvação, posto serem
sinergistas que criam na precedência da graça.