terça-feira, 18 de agosto de 2020

Arminianismo Não é SemiPelagianismo

 Arminianismo Não é SemiPelagianismo

“Arminianismo e Semipelagianismo são a mesma coisa!”; Esta uma declaração errônea que os adeptos do Calvinismo usam para caluniar os Arminianos, mas isto é um “espantalho”! Pr.Silas Daniel foi feliz em seu livro quando fez cirurgicamente a distinção entre eles, para isto, primeiramente explica acerca dos termos “Sinergia/Sinergismo”

Texto Extraído do Livro:

Silas Daniel - Arminianismo: A Mecânica da Salvação; Uma Exposição Histórica, Doutrinária e Exegética sobre a Graça de Deus e a Responsabilidade Humana – CPAD; 2017

Durante os primeiros 400 anos da história do cristianismo, podemos depreender com segurança, pelos escritos dos Pais da Igreja, que a posição adotada pelos cristãos acerca da mecânica da Salvação foi, na maioria dos casos, o que posteriormente seria classificado, no final do século 16, como “semipelagianismo”; e nos demais casos, o que seria chamado posteriormente de “arminianismo”, termo que só seria cunhado no século 17. Em outras palavras, o entendimento de todos os Pais da Igreja pré-Agostinho em relação à mecânica da Salvação era o que posteriormente seria designado, exageradamente, no final do século 16, como “sinergismo”.

Digo “exageradamente” porque o termo “sinergia”, que significa um conjunto de ações ou esforços simultâneos associados em prol de um mesmo fim, sugere implicitamente uma cooperação de forças mais ou menos equivalentes ou complementares para atingir um objetivo comum. Ora, se há uma coisa que nenhum Pai da Igreja defenderia e nenhum teólogo arminiano ou semipelagiano de ontem ou de hoje defenderá é que a resposta cooperativa do homem ao chamado divino para Salvação implica que a responsabilidade do homem no processo de Salvação é mais ou menos equivalente a de Deus nesse processo.

O que tanto semipelagianos como arminianos afirmam com todas as letras – só que os arminianos o fazem ainda mais clara e contundentemente – é que a Salvação é uma obra totalmente divina. À luz da Bíblia, assevera o arminianismo que Deus não apenas propiciou a Salvação como também capacitou o livre-arbítrio do homem para as coisas espirituais, o que possibilita que este possa responder ao chamado divino. Ou seja, sem a ação divina, o homem não poderia ser salvo de forma alguma, pois ele, além de não poder prover salvação para si mesmo, não poderia responder de forma alguma ao chamado divino para ela. Logo, uma vez que a Salvação foi propiciada totalmente por Deus e o livre-arbítrio do ser humano foi concedido também pelo próprio Deus, homem nenhum pode vangloriar-se por ter assentido ao chamado divino, porque até a sua capacidade de responder foi dada por Deus. Portanto, o ser humano tem apenas uma pequena participação possibilitada por Deus e de caráter mais passivo do que ativo no processo inicial de sua Salvação – mais passivo do que ativo porque o homem, nessa fase inicial, só confia, aceita e se submete. E mesmo depois de salvo, quando precisará ser também ativo, “operando” a sua salvação com “temor e tremor” (Fp 2.12), isso só lhe será possível por causa da nova natureza em Cristo gerada em seu ser pelo Espírito Santo. Sem olvidar o fato de que, mesmo com uma nova natureza, ele precisará também diariamente do auxílio da graça divina, sem a qual sua santificação e perseverança seriam simplesmente impossíveis (Fp 2.13). A nova natureza em Cristo precisa ser alimentada e fortalecida diariamente

Dirá o semipelagiano: “A salvação foi totalmente propiciada por Deus. O ser humano que é salvo apenas recebeu aquilo que de graça foi feito por Deus em seu favor, algo que ele não podia fazer por si mesmo. E ele só pôde receber a salvação porque Deus, pela sua graça, preservou seu livre arbítrio, sua capacidade de responder positivamente ao chamado divino para ser salvo. Tudo vem de Deus”.

Por sua vez, dirá o arminiano, mais acertada e coerentemente: “Aquele que é salvo em Cristo não fez nada para ser salvo, pois sua salvação foi totalmente propiciada por Deus; ele apenas recebeu, passivamente, confiantemente e de mãos vazias, aquilo que de graça foi feito por Deus em seu favor, algo que ele não podia fazer por si mesmo. E ele só pôde receber a salvação porque Deus, pela sua graça, ativou seu livre-arbítrio para as coisas espirituais, sua capacidade de responder positivamente ao chamado divino para ser salvo, a qual havia sido comprometida após a Queda. Tudo vem de Deus”.

Ou seja, a diferença entre semipelagianos e arminianos consiste apenas no que diz respeito ao entendimento sobre o nível de corrupção herdada pelo homem após a Queda e, consequentemente, sobre a indispensabilidade ou não de uma ação preveniente da graça para a cooperação do ser humano com a graça. Para os semipelagianos, essa corrupção é parcial: o livre-arbítrio para as coisas de Deus foi minimamente preservado por Ele, de maneira que o homem pode responder ao chamado divino, cooperando com a graça. Já para os arminianos, essa corrupção é total: o livre-arbítrio para as coisas de Deus foi totalmente comprometido após a Queda do homem, de maneira que o homem só pode responder ao chamado divino porque Deus, em um ato precedente de sua graça, restaura o seu livre-arbítrio para as coisas espirituais. Só assim é que o ser humano pode cooperar com a graça – e, mesmo assim, no momento da conversão, essa cooperação se dá mais passivamente do que ativamente.

Não por acaso, o termo “sinergismo” foi aplicado pela primeira vez para designar tanto a posição semipelagiana como a arminiana exatamente pelos opositores dessas duas posições. Ele foi cunhado por luteranos monergistas radicais do final do século 16 para designar pejorativamente os luteranos filipistas, fiéis seguidores do luterano de linha arminiana Felipe Melanchthon, 1 contra os quais os luteranos monergistas radicais se opunham veementemente. Foi um termo cunhado por opositores, em meio ao calor de um debate e com o propósito claro de exagerar a posição adversária para desacreditá-la. Para piorar, o termo “semipelagianismo” – igualmente impróprio, além de fortemente pejorativo – foi utilizado nesse mesmo período pelos mesmos indivíduos para designar, juntamente com o termo “sinergismo”, tanto a posição dos monges cassianistas opositores de Agostinho (sobre os quais falaremos no próximo capítulo e que não poderiam ser classificados de semipelagianos de forma alguma – aliás, nem mesmo o bispo de Hipona os via dessa forma) 2 como a posição não-cassianista dos luteranos arminianos, seguidores de Melanchton. Lembrando que o termo “semipelagianismo” fora cunhado pelo calvinista rígido Teodoro Beza em 1556 para se referir à doutrina católica romana esposada em seus dias. Inicialmente, Beza nem pensou em aplicá-lo aos seguidores da posição de Melanchthon. Foi com os luteranos monergistas radicais que começou essa aplicação. Eles começaram a usar injustamente esse termo para se referir à mecânica da Salvação melanchthoniana, o que depois cairia no gosto calvinista.

Os teólogos arminianos como J. Matthew Pinson, presidente do Welch College em Nashville, Tennessee (EUA); Robert E. Picirilli, professor de Grego e Novo Testamento no Welch College e no Free Will Baptist Bible College; F. Leroy Forlines, professor emérito do Welch College; Kenneth Donald Keathly, professor senior de Teologia do Southeastern Baptist Theological Seminary; Jeremy A. Evans, professor de Filosofia no mesmo seminário; o teólogo batista Mark Ellis; o teólogo e historiador holandês William den Boer; o teólogo, professor de Filosofia, Religião e Teologia Histórica, e historiador nazareno Carl Bangs (1922- 2002), autor da melhor biografia de Armínio já escrita; Richard Cross, professor de Filosofia da Universidade de Notre Dame; o pastor e teólogo metodista Arthur Skevington Wood (1917-1993); e até o pastor presbiteriano norte-americano Gregory Graybill, em sua obra Evangelical Free Will (originalmente uma monografia para conclusão de seu curso de Filosofia na Universidade de Oxford), preferem chamar o sinergismo arminiano de “monergismo condicional” ou “monergismo com resistibilidade da graça”, o qual definem como uma “recepção passiva do mérito ao invés de uma ativa obra cooperativa que ganharia o mérito”, posto tratar-se de uma “relação na qual a vontade e a obra de Deus dentro do homem são bem-vindas numa atitude de confiança e submissão”.

Há ainda o caso do teólogo arminiano Roger Olson, que, mesmo mantendo o termo “sinergismo” para designar o arminianismo, faz a seguinte distinção: há, de um lado, um sinergismo herético ou humanista, e do outro, um sinergismo evangélico. No sinergismo herético ou humanista, o pecado original é negado e “as habilidades humanas morais e naturais são elevadas” para que a pessoa possa ter uma “vida espiritualmente completa” (pelagianismo); ou então, o pecado original é suavizado para que o homem possa ter a habilidade de, “mesmo em seu estado caído, iniciar a salvação ao exercer uma boa vontade para com Deus” (semipelagianismo). Já o sinergismo evangélico “afirma a preveniência da graça para que todo ser humano exerça uma boa vontade para com Deus” (arminianismo), sendo, portanto, bastante diferente dos demais tipos de sinergismo. 4 Todas essas especificações, volto a frisar, decorrem do fato de que o termo “sinergismo”, se tomado em seu sentido estritamente literal, que sugere implicitamente uma relação fifty-fifty (50% a 50%), se torna extremamente impróprio para designar o arminianismo, de forma que, mesmo quando esse termo é usado, precisa ser diferenciado, como o faz Olson. Afinal, o homem coopera, sim, mas passivamente e após o auxílio divino. 

Apesar disso, como a maioria das pessoas já está acostumada com essas nomenclaturas tradicionais, resolvi mantê-las neste livro. Poderia ter cunhado novos termos para substituí-las ou usar unicamente os já propostos “monergismo condicional” ou “monergismo com resistibilidade da graça” para se referir ao arminianismo, mas não tomei nenhuma dessas medidas para não causar, a alguns poucos leitores mais desatentos, eventuais confusões quanto a que grupo teológico estou me referindo, já que os rótulos tradicionais estão cristalizados na cultura teológica popular. O que farei, no máximo, é usar alternadamente os termos “monergismo condicional” e “sinergismo” para se referir à corrente arminiana. Ademais, creio no bom discernimento da maioria dos meus leitores que, com certeza, após esse alerta, lerão esses rótulos (“sinergismo” e “semipelagianismo”) tendo em mente não as sugestões equivocadas que passam, mas o real conteúdo por trás deles, mal expresso por essas nomenclaturas tradicionais tendenciosas.

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